A noção de multiconjunto é uma generalização dos conjuntos tradicionais que permite a repetição de elementos, um recurso muito útil em muitas aplicações na matemática, inclusive em contextos como a modelagem atuarial. Essa abordagem simplifica potencialmente as notações, amplia as possibilidades analíticas e traz mais flexibilidade para representar populações e cálculos complexos no campo atuarial.
Introdução
Multiconjunto é uma generalização de conjuntos, uma vez que permite que haja a repetição de elementos. Por exemplo, podemos ter conjuntos do tipo $\{a,b\}$ ou ainda $\{a,a,b\}$ e no segundo caso, $a$ tem multiplicidade igual a dois. Formalmente, um multiconjunto é um par ordenado $(A,m_A)$ onde $A$ é um conjunto e $m_A$ é uma função $m_A:A\rightarrow\mathbb{Z}_+$ que associa a cada elemento de $A$ um número inteiro positivo. A função $m_A$ conta o número de vezes que cada elemento aparece no conjunto. Por exemplo, considere o conjunto $A = \{2,2,3,4,4\}$, então $m_A(2) = 2, m_A(3)=1$ e $m_A(4)=2$. A essa frequência de vezes que um elemento se repete em um multiconjunto, damos o nome de multiplicidade.
Em outras palavras, a multiplicidade de um elemento é o número de vezes que ele aparece em um conjunto $A$ e é indicada por $m_A(a)$ para qualquer $a\in A$. Quando o contexto deixa claro qual é o conjunto cujos elementos estamos analisando, então usamos somente $m(a)$ para $a\in A$. Para algum conjunto $A = \{a_1,\dots,a_n\}$, podemos representá-lo por $A = \{a_1^{m(a_1)},\dots a_n^{m(a_n)}\}$ ou ainda $a_1^{m(a_1)},\cdots a_n^{m(a_n)}$. Por exemplo, se $A = \{3,4,5,5,6,6,7\}$, então podemos indicar $A$ por $3\cdot4\cdot5^2\cdot6^2\cdot7$ , indicando que $A$ contém os elementos $2,4$ e $7$ uma vez cada e os elementos $5$ e $6$ duas vezes cada. Naturalmente, a cardinalidade do conjunto é dada pela soma das multiplicidades de cada um de seus elementos. Isto é, para um conjunto $A$ finito, o número de elementos é indicado por $|A|=\sum_{a\in A} m_A(a)$. Ou seja, o número total de elementos em um conjunto finito é a soma do número de vezes que cada elemento ocorre nesse conjunto.
Operações com Multiconjuntos
As operações com multiconjuntos obedecem algumas regras intuitivas. A união de dois multiconjuntos $A$ e $B$ é um multiconjunto onde a multiplicidade de cada elemento será dada por $\max\{m_A(a),m_B(b)\}$, para todo $a\in A$ e todo $b\in B$ . Por exemplo, $$\{3,4,4\}\cup\{4,5\} = \{3,4,4,5\}.$$Em contraste, a soma de dois multiconjuntos $A$ e $B$ é um multiconjunto onde a multiplicidade de cada elemento é dada por $m(A)+m(B)$. Por exemplo, $$\{3,4,4\}+\{4,5\}=\{3,4,4,4,5\}.$$A união e a soma de multiconjuntos diferem no tratamento das multiplicidades. Na união $(A\cup B)$, cada elemento mantém a maior multiplicidade entre dois conjuntos. Por exemplo, se $x$ aparece $3$ vezes em $A$ e $2$ vezes em $B$, então $x$ terá multiplicidade $3$ em $A\cup B$. Já na soma $(A+B)$, as multiplicidades se somam, resultando em $x$ com multiplicidade $5$.
A multiplicidade de qualquer elemento que não está presente em um conjunto é zero. Considerando isso, na operação de interseção, a multiplicidade de cada elemento será dada pelo mínimo entre as multiplicidades de cada elemento em cada conjunto. Por exemplo, $$\{1,1,2\}\cap\{2,2,4\} = \{2\}.$$Já que a multiplicidade de $1$ no primeiro conjunto é $2$, mas no segundo conjunto é $0$. E a multiplicidade de $4$ no segundo conjunto é $1$, mas no primeiro é $0$. Restando dois, que está presente em ambos os conjuntos, mas tem multiplicidade $1$ no primeiro conjunto.
A diferença entre dois multiconjuntos $A$ e $B$ é um multiconjunto onde a multiplicidade de cada elemento é $\max\{m(A)-m(A),0\}$. E o complementar de qualquer multiconjunto $A$ é o conjunto universo menos os elementos de $A$.
Aplicação em Atuária
Na matemática atuarial, sobretudo em se tratando de fundos de pensão, é comum lidarmos com populações compostas por diferentes grupos de indivíduos, frequentemente categorizados por idade, gênero, ou outros critérios. Representar esses grupos como multiconjuntos facilita tanto a modelagem quanto a interpretação dos dados, especialmente quando há repetições significativas, como vários indivíduos com a mesma idade. Vejamos agora um exemplo aplicado à matemática atuarial em fundos de pensão.
Representação da população do fundo
Seja $\Xi$ o conjunto com toda a massa de segurados em um fundo de pensão. Como a massa é finita, então $|\Xi|<\infty$, isto é, o número de elementos em $\Xi$ é finito. Cada elemento $\xi\in\Xi$ indica um indivíduo de idade $(\xi)$. Ou seja, o conjunto universo $\Xi$, para $n = |\Xi|$, tem a forma $$\Xi = \{\xi_1,\xi_2,\dots,\xi_n\}.$$
Em resumo, cada $\xi_i$ representa a idade do $i-$ésimo indivíduo. Suponha que o três primeiros indivíduos tenham a mesma idade, então $\xi_1=\xi_2=\xi_3$ e, portanto, dizemos que $\xi_1$ tem multiplicidade $3$, ou seja, temos três indivíduos de idade $\xi_1$.
Falando de uma forma mais concreta, suponha que a idade mínima dos indivíduos da massa é $18$ anos e a idade máxima é $60$. Então, um exemplo para a massa poderia ser $$\Xi = \{18,18,19,20,50,55,60,60\}$$ $$\Xi = 18^2\cdot19^1\cdot20^1\cdot50^1\cdot55^1\cdot60^2$$Se somarmos as multiplicidades, $2+1+1+1+1+2 = 8$, obtemos o número de pessoas em $\Xi$.
Se quiséssemos indicar a idade média dos indivíduos da massa? $$\bar{\xi} = n^{-1}\sum_{\xi\in\Xi}\xi\cdot m(\xi).$$
E se quiséssemos separar a massa entre indivíduos ativos e não ativos? Considerando que a idade de aposentadoria depende de cada segurado, indicamos por $\xi\leadsto r(\xi)$ essa dependência. Com isso, a massa dos indivíduos ativos é $\Xi_a = \{\xi\in\Xi|\xi\leq r(\xi)\}$, a massa dos indivíduos não ativos é o evento complementar, indicado por $\bar{\Xi}_a$. Poderíamos também particionar toda a massa ativa em função de vários status de interesse como indivíduos ativos, aposentados por incapacidade permanente, pensionistas e assim por diante.
Manipulação de reservas
Sabemos que as reservas matemáticas representam, a depender da condição do indivíduo, a reserva de benefícios a conceder ou a reserva de benefícios concedidos. A soma total das reservas, para o fundo, representa o passivo atuarial. Indicamos a reserva de benefícios no instante $t$ para um indivíduo $\xi$ por $V_t(\xi)$. Com isso, podemos ter uma notação econômica para indicar tanto a reserva de benefícios concedidos quanto a reserva de benefícios a conceder, pois se $\xi<r$ então temos a reserva de benefícios à conceder e, caso contrário, teremos a reserva de benefícios concedidos. Se quisermos considerar a totalidade das reservas de benefícios a conceder, teremos $$V_t(\xi<r) = \sum_{\xi\in\Xi_a} V_t(\xi)$$ para a reserva de benefícios concedidos, indicamos $$V_t(\xi\geq r) = \sum_{\xi\in\bar{\Xi}_a}V_t(\xi).$$ Desse modo, o passivo atuarial será dado por $$V_t = \sum_{\xi\in\Xi}V_t(\xi),$$ que nada mais é do que a soma das reservas. Pode-se indicar o custo normal apurado no instante $t$ por $\dot{V}_{t}(\xi<r)$. Sendo assim, o custo normal relativo a toda à massa de segurados ativos seria equivalente a $$\dot{V}_t = \sum_{\xi\in\Xi_a}\dot{V}_t(\xi),$$ que é a soma dos custos normais individuais.
Note que essa notação só faz sentido para $\Xi$ enquanto multiconjunto, do contrário estaríamos subestimando o valor das reservas, pois em um conjunto padrão, tomaríamos apenas um indivíduo de cada idade, o que seria incorreto.
Poderíamos seguir expandindo esse exemplo, calculando os custos normais e outras quantidades, mas com isso já temos uma boa percepção do potencial dessa abordagem.
Conclusões
Nesse texto, abordamos a noção de multiconjuntos e discutimos algumas operações que são válidas sobre tais conjuntos. Discutimos, através de um simples exemplo, a possibilidade de simplificar a notação atuarial adotando essa técnica. Além disso, a introdução de multiconjuntos na modelagem atuarial pode trazer múltiplos benefícios, pois permite uma abordagem transparente e mais eficiente. Essa simples mudança pode representar um avanço tanto técnico quanto metodológico. Simplificar as notações com escolhas mais flexíveis e claras beneficia não apenas atuários, mas também gestores e investidores que precisam de transparência e fundamentação para tomada de decisão.
O uso dessa ferramenta abre espaço para inovações na notação atuarial, possibilitando aplicações mais flexíveis em diversos contextos da área.