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Ensino e Pesquisa

Uma estratégia de investimento para RPPS baseada em Títulos Públicos IPCA+

Considerações Iniciais

Atualmente, a taxa de juros real no Brasil encontra-se em patamar histórico, superior a 8% ao ano. Nesse contexto, títulos públicos indexados ao IPCA (os chamados títulos IPCA+) representam uma alternativa de investimento atraente para os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS). Além de oferecerem proteção contra a inflação, esses títulos permitem travar a taxa de retorno real, o que fortalece a solidez do plano previdenciário e reduz a exposição à volatilidade dos mercados de renda variável.

Framework atuarial básico

Uma estratégia de investimentos eficaz é fundamental para que um RPPS alcance seus objetivos de longo prazo. A adequada formação de reservas depende diretamente da coesão entre a política de investimentos e as premissas atuariais assumidos.

Em um plano de benefícios definidos, a reserva matemática corresponde ao valor presente dos benefícios futuros projetados. Suponha um servidor com idade atual $x$, cuja idade de aposentadoria esperada seja $r$, com um benefício anual estimado de $B_r$​ na idade $r$. A reserva matemática exigida no momento da aposentadoria é dada por:$$V_r = B_ra_r$$

onde $a_r$​ é o valor presente atuarial da anuidade vitalícia a partir de $r$, assumindo-se sobrevivência e uma taxa de desconto contínua $\delta$.

Seja $e$ a idade de entrada em serviço para o servidor em questão. Pelo método do crédito unitário projetado – PUC, anualmente, será recolhido, o custo normal, que atualizado à valor presente, será dado pela seguinte expressão

$$NC_t = \frac{V_r}{r-e}{_{r-x}}p^{(\tau)}_xe^{-(r-x)\delta}$$

onde $_{r-x}p^{(\tau)}_{x}$ é a probabilidade de sobrevivência em ambiente multidecremental.

Dessa forma, o objetivo do RPPS é garantir que cada contribuição anual $NC_t$​, capitalizada à taxa real $\rho^{m}$ até a aposentadoria, atinja o valor necessário:

$$NC_te^{\rho^{m}(r-x)} = \frac{V_r}{r-e}$$
A taxa $\rho^m$ pode ser decomposta como:
$$\rho^m=\rho^{*}+\theta,$$ sendo $\rho^{*}$ a taxa anual média de retorno exigida e $\theta$ o índice de inflação (por exemplo, IPCA). A taxa real $\rho^{*}$ pode ser estimada a partir da expressão:
$$\rho_t = \delta – \frac{\ln({_t}p_x^{(\tau)})}{t},$$ e, pelo Teorema do Valor Médio, existe algum $t_0 \in (0, r – x)$ tal que: $$\rho^* \approx \rho_{t_0}.$$
A partir disso, podemos estimar o fluxo atuarial projetado, sua duration e demais prazos de interesse. Esse arcabouço define o framework atuarial básico para subsidiar a estratégia de alocação de ativos, alinhando os investimentos aos compromissos futuros do regime.

Meta Atuarial e Imunização

O apelo dos títulos IPCA+, considerando juros reais tão atraentes, decorre de sua capacidade de oferecer ganhos reais significativos. Para um RPPS, que possui compromissos de longo prazo e uma necessidade inexorável de preservar o poder de compra dos benefícios futuros, essa vantagem oferecida por esses títulos é fundamental.

Com as rentabilidades oferecidas atualmente, títulos IPCA+ podem superar com folga as metas atuariais da maioria dos RPPS. Além disso, uma vez que a compra de títulos seja marcada nos vértices da curva de juros, além da possibilidade de travar a taxa de retorno real, o investimento fica imune às flutuações da marcação à mercado. Com isso, tal estratégia não apenas garante o cumprimento das obrigações, mas também contribui para a solidez financeira do regime.

Uma vez que a estratégia esteja baseada na aquisição de títulos públicos com marcação no vértice da curva de juros, uma alocação devidamente guiada por um estudo de ALM – Asset Liability Management poderá potencializar as vantagens da estratégia, através da imunização de parte da carteira. Fazendo a seleção dos títulos baseados na equiparação da duration desses títulos em relação àquela do fluxo atuarial projetado, ocorrerá um casamento entre os ativos e os passivos correspondentes, garantindo um proteção contra o risco de desnivelamento entre ativos e passivos, protegendo o fundo contra flutuações inflacionárias, garantindo a estabilidade necessária para o cumprimento de suas obrigações no longo prazo.

Redução da Volatilidade e outras vantagens

  • Em um cenário favorável, investimentos em renda variável têm o potencial de gerar bons resultados a longo prazo, mas perturbações macroeconômicas de curto prazo elevam os níveis de volatilidade dos mercados, sobretudo em um cenário de juros altos. Nesse sentido, a atratividade da renda fixa é evidente. Ao incluir uma proporção de sua carteira em investimentos de renda fixa, o RPPS consegue controlar os níveis de volatilidade nos investimentos.
  • Além disso, a alocação em títulos IPCA+ gera boas oportunidades de diversificação em renda fixa, com diferentes prazos de vencimento e indexadores. Inclusive, dentro de uma gestão ALM, a diversificação é necessária para que o casamento entre ativos e passivos seja devidamente alcançado, por conta da natureza convexa da composição de uma carteira.
  • Outro ponto que vale a pena ser destacado é a previsibilidade dos pagamentos de juros e do principal dos títulos IPCA+, o que contribui para uma adequada gestão do fluxo de caixa do RPPS, auxiliando no planejamento e cumprimento das obrigações com os beneficiários.
  • Como títulos IPCA+ podem ser comprados diretamente, isso elimina a necessidade de recorrer à fundos específicos, tais como os fundos de vértice, ainda mais quando muitas das grandes instituições financeiras já eliminaram a taxa de custódia para instituições como os RPPS. Isso traz também a vantagem de não expor o RPPS à volatilidade dos fundos.

Pontos Negativos e Mudanças de Cenário

Vale ressaltar que há alguns riscos a se considerar, sendo o risco de liquidez o mais importante deles. Os títulos públicos apresentam excelente liquidez, mas quando marcados na curva de juros, somente podem ser liquidados em seu vencimento. Isso elimina riscos de marcação a mercado, por um lado, mas pode impossibilitar o aproveitamento de oportunidades, como em cenários de ciclos de intensa atividade econômica e altos retornos na renda variável. Por isso, ainda que o objetivo do RPPS seja a segurança e a previsibilidade dos retornos, fica evidente a importância de se buscar uma estratégia de investimentos que incorpore um bom nível de diversificação.

Entretanto, é importante levar em consideração que essa estratégia perderia o apelo em um cenário de queda persistente na taxa de juros, impactando as novas alocações de investimentos nesses ativos. Todavia, apesar desses riscos, considerando o nível atual de juros, investir em títulos públicos, sobretudo aqueles pré-fixados como os IPCA+, representa uma estratégia defensiva e, ainda assim, rentável para os RPPS. Ela não apenas atende às suas necessidades de longo prazo, como a imunização do passivo e a formação de reserva matemática, mas também oferece segurança e previsibilidade em um cenário macroeconômico incerto. Embora nenhum investimento esteja totalmente livre de riscos, os benefícios de se travar retornos reais tão elevados superam em grande margem as desvantagens potenciais, tornando essa uma opção prudente e estratégica para a saúde financeira dos RPPS.

Considerações Finais

Nesse texto abordamos como a estratégia de investir em títulos IPCA+ pode trazer boas vantagens para um RPPS, sobretudo em cenários com juros reais atrativos. Discutimos pontos como a redução da volatilidade, pois os títulos seriam marcados na curva de juros, travamento do ganho real atrativo por todo o período de investimento, a evidente proteção contra a inflação e a possibilidade de imunizar parte da carteira.

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